O Bloco de Esquerda entregou na Assembleia da República
um projecto de resolução sobre o transporte de doentes não urgentes
pelos bombeiros, com o objectivo de anular o despacho do Governo que
determina, salvo para algumas doenças crónicas, que os doentes que
ganhem mais de 419 euros por mês tenham de passar a pagar a deslocação.
O partido pretende “suspender o critério de insuficiência económica no
acesso ao transporte pago de doentes não urgentes”, por considerar que
“fazer depender o acesso ao transporte pago à comprovação de
insuficiência económica não só desrespeita os cidadãos em situação de
debilidade e fragilidade, como não tem em consideração as desigualdades
geográficas e de carência de mobilidade dos cidadãos, sem esquecer a
natureza dinâmica do estado de saúde de alguns doentes”.
Em causa
está o Despacho 19264/2010 do Ministério da Saúde, publicado a 29 de
Dezembro, que determina que o Estado só assumirá o pagamento do
transporte em ambulância quando o utente comprove com justificação
médica e insuficiência económica. O problema já motivou uma posição da
Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), que decidiu convocar um congresso
extraordinário. A LBP, após reunião com o secretário de Estado da Saúde,
já pediu a anulação do decreto.
Os bloquistas entendem, por seu
lado, que “excluir do acesso ao transporte pago todos cidadãos com
rendimentos superiores ao salário mínimo nacional não tem em conta os
tratamentos a que os doentes têm de se submeter, deslocações a efectuar,
serviços públicos ao seu alcance, etc, e é reveladora da
desresponsabilização do Estado, enquanto actor social, na implementação
de políticas que tenham como objectivo maximizar o bem-estar das
populações”.
Auditoria detecta irregularidades
A par
com o projecto, o BE deu também entrada com um requerimento dirigido ao
Ministério da Saúde, onde solicita acesso à auditoria encomendada pela
Administração Central do Sistema de Saúde sobre o transporte de doentes
não urgentes e onde terão sido detectadas algumas irregularidades que
estão na origem das alterações às regras feitas pela tutela. A
auditoria, já divulgada pelo PÚBLICO, detectou inúmeros casos em que
foram feitos pagamentos sem a justificação médica, facturação de viagens
fictícias, pagamentos em excesso e reembolsos sem o respectivo
comprovativo. Permitiu ainda perceber que o preço pago por quilómetro
variava nas cinco administrações regionais de saúde e que o transporte
prescrito em modalidade de “grupo” surgia várias vezes facturado como
transporte “individual”.
No requerimento, o deputado João Semedo
destaca que este tipo de transporte de doentes tem “grande relevância” e
que quando surgiu foi destacado como “inegável o interesse de a
comunidade em geral e de os doentes em particular disporem de uma rede
de transportes de saúde que lhes garanta cabal satisfação das suas
necessidades nesta matéria”. O parlamentar refere também que a Lei de
Bases da Saúde sublinha que é fundamental “obter igualdade dos cidadãos
no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e
onde quer que vivam” para garantir a equidade. E lembra que os
originadores da procura de transporte não urgente são essencialmente as
instituições de saúde, pelo que se pressupõe a justificação clínica.
Esta
semana, no âmbito da comissão parlamentar de Saúde, a ministra Ana
Jorge esclareceu que o despacho que determina que os doentes com
rendimentos superiores a 419 euros têm de pagar o transporte dos
bombeiros ainda não está, afinal, em vigor. A titular da pasta da Saúde
explicou que ainda não é possível fazer a avaliação da condição
económica dos doentes, em resposta a uma pergunta do deputado comunista
Bernardino Soares, que alertou que “milhares de doentes” estão a faltar a
tratamentos e consultas por falta de transporte e uma pergunta da
social-democrata Clara Carneiro, que pediu uma “imediata revogação” do
despacho de Dezembro.
Independentemente das condições
financeiras, o Ministério da Saúde prevê algumas excepções ao pagamento,
nomeadamente no caso de doentes com cancro, que façam hemodiálise, que
tenham tido alguns transplante ou que tenham perturbações visuais
graves.
Fonte Público (Foto: André Amaral/arquivo)
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