Perder uma
perna ou duas é uma tragédia.
Aproveito para fazer um tributo ao
desventurado fotojornalista João Silva,
sobrevivente de um rebentamento de mina no Afeganistão. Nascido em
Lisboa à 44 anos, realizou do Afeganistão ao Iraque, dos Balcãs ao
Médio Oriente, um trabalho premiado internacionalmente. Fez parte do
Bang Bang Club, grupo de fotojornalistas que compendiou os sangrentos
anos de transição na África do Sul do apartheid para a democracia.
O “acidente”
com João Silva relembra-nos a resiliência do conflito no
Afeganistão, que pacientemente somos instruídos a ver de cócoras.
Um prémio muito caro para a coluna do nosso governo, cúmplice de
uma política de agressão sem espinhal dorsal, nem fim, boiando nos
interesses da América e
da NATO.
A guerra
hoje tem miudezas, um soldado ocidental sente que tem algo a perder,
os generais não furam ninguém no paredón se
desobedecer; providenciam psicólogos e drogas para neuroses. Os
políticos realizam eleições limpíssimas no meio da guerra, e os
terroristas inquietam-se com os jogos florais democráticos onde não
estão representados e rebentam de indignação.
A NATO não
surgiu para defender o bloco ocidental à ameaça do Pacto de
Varsóvia, em 1949, pois os países do pacto assinaram o tratado em
1956. A constituição da NATO serviu os interesses económicos
americanos do pós segunda guerra mundial, e uma reconstrução
vigiada da Europa.
Quando o
bloco oriental caiu, naturalmente todos equacionavam que ambos os
tratados se dissolvessem. O colapso da velha ordem trouxe à NATO uma
bolha, como se logra dizer, para explorar um admirável mundo novo.
Redesenharam-se países nos Balcãs, instalaram-se novas bases no
leste, cativaram-se novos países, aumentou o orçamento público com
a defesa, e surgiram os novos inimigos. Um dia a bolha rebentará,
quando o mundo ocidental for seriamente infecto por esta doutrina.
Pode não ser com guerra, ou atentados, mas através do sequestro dos
nossos direitos cívicos. Temos que inverter as prioridades, ou é
preciso verter-se mais sangue para ver isso?
O perigo
agora, para a NATO, é a periferia; na Somália, nos jazigos de
petróleo da Nigéria; a pobreza e o subdesenvolvimento na África
subsariana; os estigmatizados estados falhados; há medos que é
preciso escudar com barreiras antimíssil nas fronteiras Russas; e o
Cáucaso, palco de guerra em 2008 na Geórgia. Mas afinal onde está
o inimigo? É Bin Laden!? As desigualdades sociais e o desemprego são
um inimigo da sociedade mais sério do que os ataques de pânico da
NATO. Os políticos e os militares desviam os problemas da sociedade
para os antípodas. E a França, com batalhões no Iraque e
Afeganistão, mas com uma guerra civil latente nos dormitórios das
grandes cidades, com confrontos diários entre imigrantes e juventude
e a polícia.
Passaram 9
anos de guerra no Afeganistão. Afinal no Iraque não havia nem um
fio de urânio, e no Afeganistão os daninhos talibãs não foram
esmagados como previu George W. Bush e a NATO vai levando devagar a
água ao seu moinho, cúmplice de um regime de traficantes de droga.
Em Lisboa
discute-se as nossas vidas e daqueles que vivem na periferia. O
conceito estratégico da NATO também é um problema português,
contraímos dívida com submarinos (1000 milhões de euros),
destacamos onerosas tropas para o Afeganistão e arcamos com os
gastos da cimeira, 10 milhões de euros. Portugal já faz parte dos
danos colaterais. Os sacrifícios do PEC alimentam o negócio da
guerra e vão inexoravelmente para a goela do novo conceito
estratégico da NATO. Combater o terrorismo islâmico. Perseguir o
tráfico e a pirataria. Actuar em palcos de catástrofe natural. Se
fosse só isto, seria um passeio. Há mais, a imposição do sistema
antimíssil em todos os países membros; a questão nuclear no Irão;
cooperar com a Rússia sem colidir com os seus interesses na Eurásia,
manter um confortável arsenal atómico; aumentar a prontidão das
forças com mais exercícios bélicos; fazer o pleno de adesões na
Europa e equacionar a expansão para fora. A NATO prevê a
intervenção à escala planetária para defender os interesses
económicos e estratégicos dos membros da aliança, leia-se Estados
Unidos da América. O novo conceito estratégico opera-se em estreita
ligação entre a segurança e o desenvolvimento uma vez que o
destacamento das forças armadas com um plano convencional tem
falhado.
Concorda com
isto? Existe outra visão para resolver os problemas mundiais, se o
esforço for partilhado um dia a NATO fará parte dos manuais de
história.
É preciso
podar a NATO, a toda a árvore chega a altura. É preciso legitimar o
humanitarismo através da ONU e impedir que ele aconteça sem fim com
políticas vazias e discursos de medo. Primeiro no Kosovo e por
último com a invasão do Iraque a ONU foi esquecida. Adulterar a
missão da ONU através da política militarista da NATO é um erro
que as gerações de hoje têm que corrigir, pois a geração que
fundou a ONU morreu e em seu lugar está um sucedâneo ambivalente ou
com espírito de cruzado que se acha impoluto ou até menos.
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