Este artigo vem a propósito da
canábis, e do seu potencial agrícola, nas zonas deprimidas de
Portugal. Enquanto ainda se faz vista grossa aos consumidores aditos
das drogas legais (álcool e tabaco), é importante trazer para a
agenda pública, nas terras transmontanas que a descriminalização
das drogas leves já existe há 10 anos. Apesar de a legalização da
canábis estar por fazer, não está a discussão. Continua proibido
o consumo, mas pode-se fazer. Não acontece praticamente nada. E às
vezes os consumidores são presos.
Numa perspetiva de combate à
desertificação do interior, o cultivo agrícola desta versátil
planta para reanimar a nossa agricultura tem de ser debatido. Sem
esquecer que a prioridade passa pela legalização, para depois
partir para esta proposta. É preciso dar uma resposta de futuro à
agricultura e evitar saudosismos históricos, ou condescender com os
fetiches das direitas, mais interessados na especulação fundiária,
na concentração da produção na distribuição dos grandes
hipermercados, e no confisco das terras para as oferecer à agro
indústria. A verdade da economia (só se safam os maiores, mais
fortes, bem instalados, e poderosos), quando aplicada à agricultura,
tem levado a nossa região à ruína, persistindo o radicalismo
ideológico de certas franjas da direita de que os subsídios têm
que acabar progressivamente. E a soberania alimentar de um povo onde
fica?
Na Colômbia, as reformas neoliberais
de 1991, provocaram uma escalada no abaixamento da qualidade de vida
e o aumento da taxa de pobreza para 55% (dados de 2000), em resultado
do programa neoliberal a agricultura entrou em depressão. O
radicalismo económico juntou à guerra e à produção de coca. A
guerra civil entre os paramilitares de direita, e as FARC, longa e
brutal, não colocou grandes alternativas aos camponeses que não
seja fugirem para terra altas e produzir cocaína. Os contendores
tiram dividendos, os paramilitares uma fonte de financiamento (70%),
e as FARC um imposto benevolente sobre os agricultores racionais.
Transfiro com cuidado, o caso
sul-americano para Portugal. Aqui também existem agricultores
racionais: Em Montalegre, Chaves, Valpaços, Alijó – só para
falar do meu distrito – são encontradas produções contumazes de
canábis e marijuana. Não esqueço as manchetes garrafais dos
noticiários, as apreensões avultadas ou anedóticas, o burlesco de
algumas gentes menos informadas, levados ao engano, ou o ímpeto
industrial de pequenos produtores perdidos nos montes.
Acontece que o transmontano não é
alimentado pelas maravilhas naturais que o rodeiam, ele precisa de
subsistir. Não é novidade, há aqueles que produzem para consumir,
e os que o fazem por dinheiro.
O cultivo agrícola de canábis em
Trás-Os-Montes permitiria independência e desenvolvimento, começar
do zero um novo mundo de oportunidades, emprego e cooperativismo,
dentro de uma ótica socialista. Será necessário que o Estado
regule e decida as políticas para este setor, desde a segurança à
certificação, sem esquecer que as cooperativas têm um papel
fundamental na sustentabilidade e uma dinâmica própria. A canábis
não é exclusivamente um produto recreativo, tem muitas aplicações.
Os defensores da canábis advogam o cultivo para a produção de
energias renováveis (biomassa, biodiesel, etanol) e para a produção
de fibra e pasta de papel e a sua recomendação no tratamento
terapêutico, sintomatológico ou para a melhoria da qualidade de
vida, nomeadamente, a doentes de SIDA, cancro, em tratamento de
quimioterapia, esclerose múltipla, glaucoma ou doença de Krohn.
Benéfico portanto para o Sistema Nacional de Saúde e a sua
sustentabilidade. Do ponto de vista ambiental, é uma planta
polivalente; para a purificação do ar, que não necessita de solos
ricos, e uma alternativa ao milho para obter biocombustível, não
prejudicando a produção de bens alimentares. Mas como a terra é um
recurso finito, não poderá ocupar o solo indisciplinadamente.
Os conservadores do PSD e CDS, os
antiquados do PS, os catastrofistas do PCP; não conseguem desmentir
hoje a ausência da escalada das “noites da folha” que o deputado
do CDS Telmo Correia prognosticava em 2001. Portugal, nem se aproxima
da média de consumo desta droga na UE.
Constatamos que a proibição não é
do interesse público: põe em risco a saúde, fomentando o tráfico
e a adulteração das drogas e retira ao Estado milhões em receitas.
A experiência mostra-nos que o uso de canábis não é uma ameaça
para os consumidores, nem para a sociedade. Por isso o Estado não
pode continuar a limitar a liberdade individual. Do ponto de vista
das oportunidades agrícolas, industriais, e científicas, um partido
de esquerda, não pode impor tabus nesta discussão, nem esquecer os
proveitos para a sociedade através do cultivo da canábis. Pelo
desenvolvimento, pelo esclarecimento, pela liberdade – Libertem a
Maria!
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