Os (des)valores da Universidade actual |
08-Aug-2011 | |
As Universidades são uma ferramenta de “transformação social positiva”. Ou pelo menos são por mim assim entendidas. No entanto, são notórias as reproduções normativas - por vezes discriminatórias - existentes na sociedade reflectidas no quotidiano Universitário. Observemos por exemplo como a hegemonia da praxe académica determinou o aparecimento de uma classe exógena aos valores da Universidade, a consolidou, e transformou em senso comum os (des)valores por ela reproduzidos. Entendo como valores da Universidade o livre pensamento e a crítica, a democracia participativa e a interdisciplinar de conhecimentos, como formas de desconstrução de relações de poder opressivas reproduzidas pela sociedade.
Os
(des)valores reflectem-se nas outras relações no seio da vida
Universitária que não só a praxe.
E estes são antagónico do espaço privilegiado de produção de
conhecimento reivindicado pelas Universidades, pois ele fecha a
Universidade sobre um conjunto de crenças e ritos inquestionáveis
pelo exterior, excluindo quem internamente as questiona,
reflectindo-se posteriormente a todos os níveis internos da
Universidade. O carácter de livre pensamento, fecha-se então em
espaços de ideias pré-concebidas, restringe expressões e
comportamentos considerados desviantes pela ordem imposta e abre
espaço para novas formas de controlo social.
Como
por exemplo, as escolhas curriculares imposta pelo processo de
Bolonha que determinam novas formas de controlo sobre o conhecimento
de formação “aceite”
pelo mercado de
trabalho.
Da
mesma forma, os (des)valores, condicionam o modo como o conhecimento
cientifico é produzido e apropriado. Afastam o conhecimento
cientifico do conhecimento comum, e criam dois universos paralelos de
conhecimento. A isto chamo de “arrogância cientifica”,
originada pelas ideias pré-concebidas do que é Ciência e do seu
distanciamento da sociedade.
Este
distanciamento de conhecimentos, actuando em paralelo com normas
sociais de pensamento e comportamento, retira a responsabilidade
social e cultural da Universidade na produção de massa crítica
capaz de contribuir mais eficazmente para a modernização da
sociedade. E incapacita-as de diagnosticar antecipadamente novas
tendências e desafios que se colocam à humanidade impossibilitando,
ao mesmo tempo, quem faz parte do corpo Universitário de fazer parte
integrante da transformação.1
O corpo Universitário é hoje um corpo formatado para a
execução, e por relação com a ordem económico-social vigente, o
conhecimento cientifico produzido evoluí na lógica do aumento da
produtividade e ampliação da riqueza material produzida pela
sociedade. O investigador ou investigadora é hoje, na maioria dos
casos, uma trabalhadora executante e não actuante na produção do
conhecimento científico. Conhecimento científico este, muitas das
vezes socialmente irrelevante, mas imprescindível para a manutenção
da ordem/norma social e económica vigente. O corpo de investigação
é pago, pois, para pensar como executante sobre uma determinada
linha pré-estabelecida e para se especializar em determinada área
de conhecimento com interesse produtivo, tornando-se consequentemente
“leigo” em outras
áreas de conhecimento, que poderão estar ou não, directa ou
indirectamente relacionadas com as suas problematizações. A maioria
dos corpos de investigação actuam em paralelo sobre a mesma base
problemática, mas sem relação entre si. Isto resulta em múltiplas
formas de problematizar a mesma circunstância sem efectivamente
contribuir para a sua solução.
É por isso necessário reconfigurar o espaço das
Universidades na busca de conhecimentos e competências socialmente
relevantes e actuantes com o exterior. Recuperar a “autonomia
relativa” das Universidades e exigir-lhes que sejam organizações
adaptáveis, capazes de definir novos domínios transversais e
transdisciplinares de conhecimento e de competências e novas formas
de responsabilidade social.1 Envolver a produção de conhecimento
cientifico com o conhecimento social existente, libertar o
experimento científico do nosso modo de o interrogar e abrir espaço
para reflexão e critica sobre os conhecimentos no domínio da
formação, são formas de actuação pouco exploradas hoje pelas
Universidades.
É por isso, que pensar que podemos ter um Universidade
cientificamente inactiva na produção destes conhecimentos, como é
defendido por algumas linhas de pensamento na Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro, é desvirtuar o carácter transformador
e emancipatório da ciência sobre a sociedade civil. É reforçar a
relação de poder entre ciência e sociedade, é arrogância
cientifica e imaturidade social.
Desde a sua implantação a UTAD assumiu uma
responsabilidade social e cultural para com o contexto social e
económico da região. Ambicionou ser um elemento de ligação
“relativamente autónomo” entre o conhecimento cientifico e o
conhecimento comum, apresentou-se como uma ferramenta de formação
de pensamento, de pensamento critico e agente de modernização, mas
a nova linha emergente de pensamento acredita ser possível termos
uma Universidade sem produção de conhecimento cientifico e
unicamente direccionada para o ensino de base académico.
A recusa interna de associar os diferentes conhecimentos
científicos que compõem o corpo académico, e estes ao conhecimento
comum irá resultar numa Universidade desenquadrada do contexto
social em que se insere, e incapaz de formar pessoas capazes de
actuar como forças transformadoras da sociedade. Por outro lado, irá
desvalorizar o corpo de investigação com graves consequências para
a forma de financiamento dos projectos, obrigando a maioria das
investigações a procurarem financiamentos privados, aumentando
assim a já existente promiscuidade entre a investigação de
interesse privado e a Universidade pública.
Consequentemente, esta linha de pensamento irá resultar
não só na perda de interesse do investimento público na
Universidade, mas também na sua autonomia, vendo eu como única
solução ao desaparecimento da UTAD a sua agregação à
Universidade do Porto.
Esta solução é por mim rejeitada, sendo por isso
necessário em alguns casos criar, e em outros reforçar, o carácter
transdisciplinar dos conhecimentos e dos domínios transversais
internos e articular as diferentes formas de conhecimento com a
sociedade. Isto faz-se pela articulação de conhecimentos entre a
sociedade civil e a Universidade, entre as diferentes competências
das ciências que compõem o corpo Universitário, e ao nível da
formação curricular.
1 - Elisio Estanque
e João Arriscado Nunes. A universidade perante a transformação
social e as orientações dos estudantes: O caso da Universidade de
Coimbra. Centro de Estudos Sociais. Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra
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