No
seguimento de um contributo anterior sobre as mulheres e a
agricultura, gostaria aqui de deixar uma reflexão mais alargada
sobre o tema.
Tem
sido discutido em todo o mundo que apesar das mulheres, a nível
global, realizarem a maioria das tarefas na agricultura, os homens,
na sua maior parte, continuam a ser os proprietários das terras,
controlam o trabalho das mulheres e tomam decisões sobre a
agricultura com base num sistema social patriarcal. Nesse sentido
surgiram diálogos inter-disciplinares feministas com a intenção de
dar visibilidade o trabalho das mulheres na agricultura, e procurar
novas políticas promotoras de igualdades.
Hoje
em dia, volta e meia, deparamo-nos com a defesa de políticas
agrícolas de pequena e média dimensão, preferencialmente
incorporadas em unidades familiares de produção e consumo, onde o
sistema de produção familiar é colocado principalmente sobre uma
base de trabalho em família e nas suas actividades de produção e
reprodução, contrastante com o sistema de produção capitalista
que se baseia em trabalho assalariado e apenas se envolve com
actividades produtivas.
Até
certo modo, a imagem que se constrói em torno da uma unidade
agrícola familiar é sinónimo de família chefiada por homens, onde
os homens são os principais actores, assistidos pelas mulheres e
crianças. Mas este é um pressuposto que varia com a história
agrária e industrial de cada região. Talvez a melhor questão a
abordar seja mesmo que, apesar das diferenças ou heterogeneidades da
presença da mulher na agricultura, uma unidade agrária familiar se
baseia sempre numa divisão do trabalho com base no género, e esse é
o grande desafio da esquerda quando procura novas politicas
agrícolas.
Bem,
concordo que essa noção varia não só regionalmente, de acordo com
as construções culturais do feminino e masculino, mas também com
determinadas relações sociais prevalecentes da produção e dos
bens gerados, bem como com a diferenciação social entre
agricultores, sugerindo a importância das condições materiais nas
mudanças de construções sociais.
No
entanto gostaria aqui de deixar uma análise da economia feminista
com que recentemente me deparei. Uma estratégia de agricultura
familiar não reflecte necessariamente os interesses de todos os
membros da família, por exemplo: um sistema agrícola patriarcal é
caracterizado pela participação das mulheres no trabalho agrícola
e criação de animais, no entanto são os homens que tem o controlo
sobre as tomadas de decisões e sobre os produtos do trabalho
familiar. Por outro lado, existem modelos igualitários de
agricultura familiar que demonstraram ser uma associação entre
homens e mulheres no que diz respeitos não só ao trabalho agrícola,
mas também nas tomadas de decisão e acesso ao produto de trabalho.
Mas mesmo assim eles não são garantia de igual poder, porque por um
lado, as diferenças estão também relacionadas com as diferenças
de classe dentro da agricultura – estratos sociais mais ricos
dentro da agricultura tendem mais a corresponder a um modelo de
organização patriarcal, enquanto estratos mais pobres tendem a
corresponder a um organização mais igualitário – e por outro
lado, as desigualdade dentro das unidades familiares estão ligadas
ao diferente poder de negociação, isto é, as negociações entre
homens e mulheres são raramente tidas como iguais em forças tendo
em conta que elas são constrangidas pelo sistema autoritário das
relações familiares. As intra-relações familiares são governadas
por relações de dominação subordinação, hierarquia,
desigualdade, luta e conflito. Assim, postular que a existência de
estratégias agrícolas familiares, com base nas suas regras
culturais, atitudes e crenças, bem como nas suas condições
materiais são meios que favorecem a procura de unidade altruístas
de produção, em vez de auto-interesse, ao mesmo tempo que favorecem
as condições de negociação, compromisso e cooperação no seio
familiar, devem ser sujeitas a uma reflexão mais ampla, pois a
competitividade entre unidades de produção familiar reproduz de
facto mecanismos de subordinação da mulher e desvalorização do
trabalho feminino nas actividades produtivas e reprodutivas.
Sendo
que a diferença social do valor do trabalho das mulheres
relativamente aos homens, é tanto visível em unidades familiares
como no mercado de trabalho capitalista, onde a subordinação das
mulheres permite ao capitalismo pagar salários mais baixos às
mulheres do que aos homens, mesmo para tarefas similares e em
unidades de produção semelhantes.
O
desafio da esquerda anti-capitalista, está em criar politicas em
torno de uma agricultura que incorpore noções de género e de
classe, sendo que na minha opinião, um grande passo – talvez o
primeiro – para dar poder à posição das mulheres dentro da
estrutura das unidades
familiares de produção,
e assim permitir-lhes condições de negociação, é garantir o seu
acesso à propriedade.
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