 Acabam de ser publicadas as listas dos beneficiários dos apoios europeus à agricultura.
Após
pressões de organizações nórdicas (nomeadamente da Dinamarca), onde a
cultura de transparência ganhou raízes mais fortes do que em qualquer
outra parte do mundo, foram estabelecidas novas regras (Regulamento
259/2008 da Comissão) que obrigam a que todos os anos as listas dos
apoios recebidos no ano agrícola anterior sejam publicadas até final do
mês de Abril.
O valor anual total dos apoios concedidos entre 16 de Outubro de 2007 e
15 de Outubro de 2008 foi de 55 mil milhões de euros. Vale a pena
lembrar que o orçamento global da União em 2008 foi de 129,1 mil
milhões de euros e que a rubrica “despesas agrícolas e ajudas directas”
foi, de longe, a maior rubrica do orçamento comunitário.
Não
espantará os mais habituados a estas andanças que, entre os maiores
beneficiados pelos apoios da União Europeia, se destaquem as grandes
multinacionais do sector e os grandes proprietários rurais,
nomeadamente reis, seus familiares e outros membros da nobreza.
O
maior beneficiário foi o Greencore, um grupo multinacional do sector da
alimentação, com sede na Irlanda (www.greencore.ie), que recebeu 83 377
577 euros, mais de 83 milhões.
Na França foi recebido quase um
quinto do total dos apoios comunitários destinados aos 27
Estados-membros. O maior beneficiário neste país foi o grupo
multinacional Doux, que se dedica à carne de aves e derivados. Recebeu
a módica quantia de 62 824 449,59 euros, quase 63 milhões de euros.
Este grupo é o líder mundial na exportação de carne de aves e
derivados, com negócios em 130 países dos 5 continentes, e o maior
produtor europeu do sector, segundo se pode ler no site do próprio
grupo (www.doux.com).
A UE continua assim a apoiar generosamente
todos estes pobres agricultores com o dinheiro dos nossos impostos. O
apoio à agricultura em dificuldade e aos agricultores que realmente
precisam é, sem dúvida, uma política necessária de solidariedade na
União. Mas os dados publicados mostram uma realidade bem diferente. Se
se fizesse um referendo em França, perguntando aos contribuintes se
concordariam com a ideia de contribuir com 63 mihões para uma grande
multinacional, esta política jamais seria adoptada.
No Reino
Unido, o maior beneficiário foi o grupo Czarnikow, que se apresenta
como o maior fornecedor do mercado mundial do açúcar
(www.czarnikow.com), com mais de 7,5 milhões de euros de ajuda. A
rainha Isabel II recebeu pessoalmente mais de meio milhão, um montante
semelhante à ajuda dada ao Duque de Westminster, o 29.º lugar na lista
mundial dos “bilionários”. Já o príncipe Carlos teve de se remediar com
uns parcos 180 mil.
E se perguntássemos aos contribuintes do
Reino Unido se concordam que, em tempos de tanta dificuldade para as
famílias plebeias e trabalhadoras, estas sejam obrigadas a dar uma
ajuda aos negócios privados de Sua Majestade, da família real e de
outros nobres e grandes senhores da indústria, o que nos responderiam?
Talvez nos contassem que apenas mudou a forma e que já são obrigados a
fazê-lo há vários séculos, como todos sabem, pelo menos os que viram as
várias versões dos filmes do Robin dos Bosques. Mas, nesse tempo,
sempre havia uma resistência forte e organizada contra esta espoliação.
Em
Portugal, a lista dos beneficiários do Fundo Europeu Agrícola de
Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural
(FEADER) segue o escandalososo padrão geral dos outros países, como o
leitor pode constatar consultando:
http://www.ifap.min-agricultura.pt/portal/page/portal/ifap_publico/GC_informacoes/GC_benef
A
Alemanha, pelo seu lado, recusou-se a publicar a sua lista de
beneficiários, contrariando o regulamento europeu e podendo vir a ser
objecto de um processo. Esta atitude veio reacender a crítica ao facto
de que não é a Comissão Europeia que publica os subsídios que concede,
estando esta publicação a cargo dos Estados-Membros, o que pode gerar
situações como esta.
A polémica sobre a CAP, a política agrícola
comum, continua viva e pode mesmo ser um dos temas quentes da presente
campanha eleitoral europeia. Na agricultura, como nas restantes
políticas, as posições que hoje dominam a UE resultam de uma clara
opção de classe ao lado dos grandes negócios. Os resultados estão à
vista de todos: a Europa social continua adiada.
Seguindo a
sugestão de um velho estudioso destas questões, nascido na região
vinícola do Mosela, em 1818, podemos confirmar hoje que a história da
União Europeia tem sido a história da luta de classes na União
Europeia.
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