"Mudar
tudo para que nada mude", a famosa fórmula podia servir de divisa
aos governos europeus. As suas críticas ao sistema financeiro e as
suas fanfarronices sobre a regulação revelam uma verdadeira
económica política de simulacro.
Os
factos estão aí: a injecção de dinheiro público nos bancos não
foi acompanhada de nenhuma medida de controlo; os planos de retoma
são calculados de forma limitada e não beneficiam os que mais
precisam deles; a questão dos "prémios" dos executivos das
grandes empresas continua a ser cosmética e evita a abordagem da
questão mais ampla da repartição do rendimento.
A
intenção é resolver a crise no nível mínimo esperando que as
coisas possam voltar a funcionar antes de 2010. Mas isto simplesmente
não é possível. A primeira razão está no facto de que as medidas
tomadas não são suficientes para intervir no sistema bancário e
financeiro. Para o conseguir, deveria nacionalizar e rever-se todo o
sistema em profundidade, como reconhece The
Economist que se uniu
a esta opção "desgraçadamente
inevitável".
O modelo norte-americano baseado no sobre endividamento das famílias
não pode voltar a funcionar de forma igual e está em dificuldades
para aplicar as medidas de retoma sem colocar em causa as
desigualdades sociais. No plano mundial, pesa a maior incerteza sobre
o destino do dólar, sobre a amplitude e financiamento do défice
norte-americano e sobre a capacidade - e vontade - do resto do
mundo em financiar crescimento dos EUA. Por fim, a Europa está a
"impulsionar-se" como entidade económica.
Apesar
de tudo, os governos preparam um golpe posterior. Segundo as últimas
previsões da OCDE,
a zona euro deverá terminar o ano de 2010 com uma taxa de desemprego
superior a 12% e um défice médio de 7% do PIB. Para voltar à
situação normal, a OCDE insiste sobre este ponto: devem assegurar
"que as medidas postas em marcha para combater a crise mas que
podem ter consequências a longo prazo, devem ser retiradas de forma
ordenada". Deverão reabsorver de imediato os défices públicos
procedendo a novos cortes das medidas sociais, por exemplo: "para
ajudar as pessoas em dificuldades, certos países aumentaram a
duração do níveis da protecção social. Se tal acção é
compreensível nas circunstâncias actuais, essas medidas devem ser
reduzidas quando a actividade económicas recupere".
Este
retorno ao normal está fora de alcance. Um certo número de sectores
vão sem dúvida recuperar e os jornalistas já se armaram de lupas
para descobrir o menor tremor. Os planos de retoma vão dar
esperanças mas a perspectiva geral é sombria: não se voltará às
taxas de crescimento de antes da crise e a taxa de desemprego
estabilizará num nível elevado. O capitalismo entrou num beco sem
saída porque não pode restabelecer o modelo neoliberal em todo o
seu esplendor e porque não quer por de pé uma espécie de novo
fordismo baseado
numa progressão mais regular da procura interna e numa repartição
menos desigual dos rendimentos.
Temos
pois de nos preparar para um largo período de indecisão e de
confrontos. Nada é mais perigoso que besta selvagem ferida. Devemos
pois esperar uma violência social renovada por parte das classes
dominantes com o objectivo de defender os seus privilégios sociais.
Se for necessário, apoiar-se-á em posições reaccionárias e
nacionalistas. Do lado dos dominados, a defesa das condições de
existência imediatas pode permitir dar corpo a um projecto de
transformação social confrontando três enormes desafios:
estabelecer a correlação de forças necessária para controlar a
actividade dos capitalistas; libertar-se da coacção da globalização
sem as ilusões soberanistas;
ter como objectivo principal o bem-estar social e romper com a
religião do crescimento.
Publicado
em Politis nº 1049, Abril de 2009
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