Bang Bang Club
07-Fev-2011

paulo_seara.jpegPerder uma perna ou duas é uma tragédia. Aproveito para fazer um tributo ao desventurado fotojornalista João Silva, sobrevivente de um rebentamento de mina no Afeganistão. Nascido em Lisboa à 44 anos, realizou do Afeganistão ao Iraque, dos Balcãs ao Médio Oriente, um trabalho premiado internacionalmente. Fez parte do Bang Bang Club, grupo de fotojornalistas que compendiou os sangrentos anos de transição na África do Sul do apartheid para a democracia.

O “acidente” com João Silva relembra-nos a resiliência do conflito no Afeganistão, que pacientemente somos instruídos a ver de cócoras. Um prémio muito caro para a coluna do nosso governo, cúmplice de uma política de agressão sem espinhal dorsal, nem fim, boiando nos interesses da América e da NATO.

A guerra hoje tem miudezas, um soldado ocidental sente que tem algo a perder, os generais não furam ninguém no paredón se desobedecer; providenciam psicólogos e drogas para neuroses. Os políticos realizam eleições limpíssimas no meio da guerra, e os terroristas inquietam-se com os jogos florais democráticos onde não estão representados e rebentam de indignação.

 A NATO não surgiu para defender o bloco ocidental à ameaça do Pacto de Varsóvia, em 1949, pois os países do pacto assinaram o tratado em 1956. A constituição da NATO serviu os interesses económicos americanos do pós segunda guerra mundial, e uma reconstrução vigiada da Europa.

Quando o bloco oriental caiu, naturalmente todos equacionavam que ambos os tratados se dissolvessem. O colapso da velha ordem trouxe à NATO uma bolha, como se logra dizer, para explorar um admirável mundo novo. Redesenharam-se países nos Balcãs, instalaram-se novas bases no leste, cativaram-se novos países, aumentou o orçamento público com a defesa, e surgiram os novos inimigos. Um dia a bolha rebentará, quando o mundo ocidental for seriamente infecto por esta doutrina. Pode não ser com guerra, ou atentados, mas através do sequestro dos nossos direitos cívicos. Temos que inverter as prioridades, ou é preciso verter-se mais sangue para ver isso?

O perigo agora, para a NATO, é a periferia; na Somália, nos jazigos de petróleo da Nigéria; a pobreza e o subdesenvolvimento na África subsariana; os estigmatizados estados falhados; há medos que é preciso escudar com barreiras antimíssil nas fronteiras Russas; e o Cáucaso, palco de guerra em 2008 na Geórgia. Mas afinal onde está o inimigo? É Bin Laden!? As desigualdades sociais e o desemprego são um inimigo da sociedade mais sério do que os ataques de pânico da NATO. Os políticos e os militares desviam os problemas da sociedade para os antípodas. E a França, com batalhões no Iraque e Afeganistão, mas com uma guerra civil latente nos dormitórios das grandes cidades, com confrontos diários entre imigrantes e juventude e a polícia.

Passaram 9 anos de guerra no Afeganistão. Afinal no Iraque não havia nem um fio de urânio, e no Afeganistão os daninhos talibãs não foram esmagados como previu George W. Bush e a NATO vai levando devagar a água ao seu moinho, cúmplice de um regime de traficantes de droga.

Em Lisboa discute-se as nossas vidas e daqueles que vivem na periferia. O conceito estratégico da NATO também é um problema português, contraímos dívida com submarinos (1000 milhões de euros), destacamos onerosas tropas para o Afeganistão e arcamos com os gastos da cimeira, 10 milhões de euros. Portugal já faz parte dos danos colaterais. Os sacrifícios do PEC alimentam o negócio da guerra e vão inexoravelmente para a goela do novo conceito estratégico da NATO. Combater o terrorismo islâmico. Perseguir o tráfico e a pirataria. Actuar em palcos de catástrofe natural. Se fosse só isto, seria um passeio. Há mais, a imposição do sistema antimíssil em todos os países membros; a questão nuclear no Irão; cooperar com a Rússia sem colidir com os seus interesses na Eurásia, manter um confortável arsenal atómico; aumentar a prontidão das forças com mais exercícios bélicos; fazer o pleno de adesões na Europa e equacionar a expansão para fora. A NATO prevê a intervenção à escala planetária para defender os interesses económicos e estratégicos dos membros da aliança, leia-se Estados Unidos da América. O novo conceito estratégico opera-se em estreita ligação entre a segurança e o desenvolvimento uma vez que o destacamento das forças armadas com um plano convencional tem falhado.

Concorda com isto? Existe outra visão para resolver os problemas mundiais, se o esforço for partilhado um dia a NATO fará parte dos manuais de história.

É preciso podar a NATO, a toda a árvore chega a altura. É preciso legitimar o humanitarismo através da ONU e impedir que ele aconteça sem fim com políticas vazias e discursos de medo. Primeiro no Kosovo e por último com a invasão do Iraque a ONU foi esquecida. Adulterar a missão da ONU através da política militarista da NATO é um erro que as gerações de hoje têm que corrigir, pois a geração que fundou a ONU morreu e em seu lugar está um sucedâneo ambivalente ou com espírito de cruzado que se acha impoluto ou até menos.