Apostar na formação superior: O melhor caminho para o desemprego!
04-Set-2011

rui_cortes.jpgA política de oferta do ensino superior, traduzida no aumento constante do número de vagas representou um pesado investimento estatal. Mas também dos próprios universitários que têm vindo as suas propinas sucessivamente aumentadas para o número mágico deste ano, nada menos do que €999.71 (15% de aumento ao ano…). Ainda por cima 24 mil estudantes defrontam-se com cortes nos benefícios sociais, o que representa um acréscimo significativo para as famílias. Razões para ficar desesperado? Nada disso! O sistema desenvolveu novos instrumentos de “solidariedade”: nada menos do que um pacote de empréstimos bancários, que permitem que os alunos recorram a estes instrumentos para frequentarem o curso onde foram aceites. Claro que estes estudantes irão apreciar no futuro o que é o sistema capitalista, tornando-os reféns (perdão clientes) dos respectivos bancos por períodos que nem imaginam. Mas se tivermos em conta que em 2010 15 mil clientes terão recorrido a este processo, com um aumento a um ritmo de cerca de 5 mil em cada ano, podemos ver que tal não os preocupa excessivamente e que esta progressão está na razão directa da demissão do Estado das suas funções. Para bem da saúde do sistema bancário.

Ainda por cima, apesar das dificuldades na obtenção dum diploma…cada vez é maior o nível de formação dos desempregados. Duplamente penalizados!!! E essa é realmente a principal nuvem no horizonte: a possibilidade dos futuros licenciados exercerem as funções cuja formação tanto lhes custou a adquirir. Na realidade os melhores podem sempre procurar obter bolsas de investigação da FCT. Em boa verdade, temos de reconhecer que, onde Portugal mais evoluiu, foi no investimento (e nos resultados) na política de investigação científica. Lembro-me que este investimento andava há uns anos pelos 0,4% do PIB, enquanto que esta percentagem mais que triplicou até ao momento. A criação de Centros de Investigação e Laboratórios Associados, o elevado número de bolsas (iniciação, doutoramentos, post-doc, etc.) tem permitido apostar na investigação e diminuir os números estatísticos dos desempregados. Mas a precariedade dos investigadores é enorme, não têm direito a subsídio de desemprego, apenas um magro apoio em caso de doença conferido pelo Seguro Social Voluntário, além de que o pagamento das bolsas sofre atrasos cada vez mais consideráveis.

E o desemprego universitário cresce continuadamente… Vamos a ser claros: outra coisa não seria de esperar dum pequeno país com 15 universidades e 15 Politécnicos. Lembro-me que há uns anos fiz um estudo para a Ordem dos Engenheiros sobre cursos de Ambiente (onde fui avaliador das instituições) e descobri 36 cursos só desta área a nível nacional… O crescimento anárquico de instituições (ainda tenho presente há muitos anos a manifestação dos comerciantes de Vila Real a apelarem á criação da Universidade…), que serviram os desígnios partidários locais, e as regras de financiamento do ensino superior público, baseadas nas entradas no 1º ano, levaram à proliferação de cursos que eram apelativos e que garantiam aumento aumentos de receitas aos Reitores. Todavia, cedo se transformaram em fábricas de desempregados. Lembram-se da falta de enfermeiros? Em poucos anos passaram de estudantes motivados a visitantes assíduos dos centros de emprego… Mas na realidade vejamos o interior Norte: é possível manter, numa situação de perda demográfica intensa, os mesmos cursos em Viseu, Vila Real e Bragança, a competirem entre si sem qualquer articulação, com responsáveis de costas voltadas como se de instituições privadas se tratasse? E onde se vão fixar estes licenciados? Vão contribuir para o desenvolvimento regional? Sabemos a resposta não é? E o mesmo se passa por todo o país…

Tem de haver uma revolução a vários níveis. E é para isso que o Bloco serve, pelo menos para termos de propostas inovadoras e abrir frentes de debate sem preconceitos e clientelismos. Algumas achas para a fogueira para pensarmos nisto:

_Um dos problemas de arrancar os cabelos é a multiplicação de instituições universitárias e de cursos (800 licenciaturas em Portugal! Comparem-nas com as 200 em Espanha…), aspecto insustentável num país rico, quanto mais num país pobrezinho como o nosso.

_Outra questão diz respeito à mentalidade do estudante universitário: total ausência de espírito de empreendedorismo! Pensa-se: onde posso arranjar um emprego e não, como posso constituir uma empresa.

_Mas temos também o imobilismo do docente universitário: ausência completa de mobilidade entre instituições. Poderia apenas citar o caso dos EUA onde ninguém pode ficar empregado na instituição onde termina o doutoramento e onde um critério privilegiado de selecção tem a ver em quantas instituições o docente já trabalhou.

Mas a questão do desemprego tem mesmo de assentar em perspectivas sociais completamente distintas. Na verdade recordo-me de ir a países de Leste antes do fim da “cortina de ferro” onde algo que eu admirava era o pleno emprego de qualquer universitário. É verdade que tal diminuía a competitividade, tinha encargos estatais elevadíssimos, os salários eram baixos (um catedrático que visitei na Polónia tinha de vender no mercado os produtos hortícolas que cultivava no jardim de sua casa para conseguir que a família tivesse uma vida digna…), etc., etc. Mas não havia a terrível frustração que se verificava a este nível nos países ocidentais. Não defendo exactamente esta política, pouco abonatória da qualidade e da avaliação das capacidades. Mas defendo a forte nivelação dos salários (função pública) e de aumentos de impostos significativos dos salários superiores do sector privado (afinal o desnível em Portugal é dos maiores da Europa) de modo a criar bolsas de emprego que procurem reduzir o desemprego para níveis meramente residuais. É urgente uma política de reformas com pensões parciais no sector estatal mas para permitir a entrada dum elevado número de jovens formados. Afinal o pleno emprego das gerações mais velhas (e as reformas completas) não podem penalizar continuamente quem procura o primeiro emprego. Há coragem para dizer isto? É claro que os custos a nível de impostos serão elevadíssimos, mas a sua canalização para estas bolsas deve ser prioritária. Trata-se “apenas” de salvar as próximas gerações.

Mas também na verdade todo o ensino superior assenta numa estrutura incomportável que tem de ser modificada de alto a baixo. Muita gente perderia privilégios, é verdade. Mas só um Estado verdadeiramente social pode deixar de continuar a pedir cada vez mais sacrifícios para quem quer tirar um curso, para depois o mandar pegar nas malas e pô-lo na fronteira.