Agricultores Racionais
17-Out-2011

paulo_seara.jpegEste artigo vem a propósito da canábis, e do seu potencial agrícola, nas zonas deprimidas de Portugal. Enquanto ainda se faz vista grossa aos consumidores aditos das drogas legais (álcool e tabaco), é importante trazer para a agenda pública, nas terras transmontanas que a descriminalização das drogas leves já existe há 10 anos. Apesar de a legalização da canábis estar por fazer, não está a discussão. Continua proibido o consumo, mas pode-se fazer. Não acontece praticamente nada. E às vezes os consumidores são presos.

Numa perspetiva de combate à desertificação do interior, o cultivo agrícola desta versátil planta para reanimar a nossa agricultura tem de ser debatido. Sem esquecer que a prioridade passa pela legalização, para depois partir para esta proposta. É preciso dar uma resposta de futuro à agricultura e evitar saudosismos históricos, ou condescender com os fetiches das direitas, mais interessados na especulação fundiária, na concentração da produção na distribuição dos grandes hipermercados, e no confisco das terras para as oferecer à agro indústria. A verdade da economia (só se safam os maiores, mais fortes, bem instalados, e poderosos), quando aplicada à agricultura, tem levado a nossa região à ruína, persistindo o radicalismo ideológico de certas franjas da direita de que os subsídios têm que acabar progressivamente. E a soberania alimentar de um povo onde fica?

Na Colômbia, as reformas neoliberais de 1991, provocaram uma escalada no abaixamento da qualidade de vida e o aumento da taxa de pobreza para 55% (dados de 2000), em resultado do programa neoliberal a agricultura entrou em depressão. O radicalismo económico juntou à guerra e à produção de coca. A guerra civil entre os paramilitares de direita, e as FARC, longa e brutal, não colocou grandes alternativas aos camponeses que não seja fugirem para terra altas e produzir cocaína. Os contendores tiram dividendos, os paramilitares uma fonte de financiamento (70%), e as FARC um imposto benevolente sobre os agricultores racionais.

Transfiro com cuidado, o caso sul-americano para Portugal. Aqui também existem agricultores racionais: Em Montalegre, Chaves, Valpaços, Alijó – só para falar do meu distrito – são encontradas produções contumazes de canábis e marijuana. Não esqueço as manchetes garrafais dos noticiários, as apreensões avultadas ou anedóticas, o burlesco de algumas gentes menos informadas, levados ao engano, ou o ímpeto industrial de pequenos produtores perdidos nos montes.

Acontece que o transmontano não é alimentado pelas maravilhas naturais que o rodeiam, ele precisa de subsistir. Não é novidade, há aqueles que produzem para consumir, e os que o fazem por dinheiro.

O cultivo agrícola de canábis em Trás-Os-Montes permitiria independência e desenvolvimento, começar do zero um novo mundo de oportunidades, emprego e cooperativismo, dentro de uma ótica socialista. Será necessário que o Estado regule e decida as políticas para este setor, desde a segurança à certificação, sem esquecer que as cooperativas têm um papel fundamental na sustentabilidade e uma dinâmica própria. A canábis não é exclusivamente um produto recreativo, tem muitas aplicações. Os defensores da canábis advogam o cultivo para a produção de energias renováveis (biomassa, biodiesel, etanol) e para a produção de fibra e pasta de papel e a sua recomendação no tratamento terapêutico, sintomatológico ou para a melhoria da qualidade de vida, nomeadamente, a doentes de SIDA, cancro, em tratamento de quimioterapia, esclerose múltipla, glaucoma ou doença de Krohn. Benéfico portanto para o Sistema Nacional de Saúde e a sua sustentabilidade. Do ponto de vista ambiental, é uma planta polivalente; para a purificação do ar, que não necessita de solos ricos, e uma alternativa ao milho para obter biocombustível, não prejudicando a produção de bens alimentares. Mas como a terra é um recurso finito, não poderá ocupar o solo indisciplinadamente.

Os conservadores do PSD e CDS, os antiquados do PS, os catastrofistas do PCP; não conseguem desmentir hoje a ausência da escalada das “noites da folha” que o deputado do CDS Telmo Correia prognosticava em 2001. Portugal, nem se aproxima da média de consumo desta droga na UE.

Constatamos que a proibição não é do interesse público: põe em risco a saúde, fomentando o tráfico e a adulteração das drogas e retira ao Estado milhões em receitas. A experiência mostra-nos que o uso de canábis não é uma ameaça para os consumidores, nem para a sociedade. Por isso o Estado não pode continuar a limitar a liberdade individual. Do ponto de vista das oportunidades agrícolas, industriais, e científicas, um partido de esquerda, não pode impor tabus nesta discussão, nem esquecer os proveitos para a sociedade através do cultivo da canábis. Pelo desenvolvimento, pelo esclarecimento, pela liberdade – Libertem a Maria!